Kianda

segunda-feira, janeiro 08, 2007

De braços dados num vôo de pássaro

Anita Malfatti, "A boba". Óleo s/ tela 61 x 50,6 cm, 1915/1916.
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... e então vejo a moça com problemas mentais de braços dados com a mãe piscar três vezes. Voluntária ou involuntariamente? A razão dessa idéia me perturba e a saia verde de pregas briga com o rosa da camisa de cambraia fora de moda. Não resisto e encaro, “Narciso acha feio o que não é espelho”...
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Isso foi o que escrevi num pedaço de papel quando o ônibus estacionou numa das suas oitocentas mil paradas. Havia, de fato, duas tristes figuras lá (é certo, o “tristes” fica por minha conta, que costumo dramatizar tudo), uma conduzindo a outra pelo braço. Deduzi logo: mãe gorda e cansada, filha magra e lesa.
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E foram os olhos da moça que me seduziram. Ela era guiada e guiava a si mesma com aquele jeito de ver o nada, de fugir do mundo, de escapar de outros olhos que não os dela própria. Três vezes seguidas piscou e enxerguei sua rotina pública de secretos desejos. Ou não?
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O ônibus arrancou e sonhei vôo de pássaro. Nele, alguém dizia que a liberdade de escolha é também não escolher...
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Érica Antunes
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1 Comments:

  • At 2:21 PM, Anonymous Anônimo said…

    Acho excelente esses "momentâneos" sobre o cotidiano. O olhar permitindo a divagação, a corrente feita de lembrança-puxa-lembrança, imagem-cola-imagem, um exercício de deambulação mais solta que a proposta pelos surrealistas. Bom seria, inclusive, a feitura de textos colagens: palavra e imagem juntas no exercício de criação.

     

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