Kianda

domingo, janeiro 28, 2007

Foi-se o tempo do sorvete de groselha...

"As coisas estão diferentes"...

.Sempre que eu ouvia essa mesma fala da boca dos mais velhos, jurava que jamais seria idiota o suficiente para repeti-la. Acreditava, de coração, que as pessoas eram meio cobras que trocavam de pele e deixavam a antiga solta pelo meio do caminho para, um dia, muito tempo depois, tropeçarem nela num espanto: "nossa, mas como tudo mudou!"
.
Para mim, nada nunca mudaria, o tempo era eterno e eu a menina que carregava, a duras penas, o cetro, o manto e a coroa: rainha de minhas vontades.

.Mas muita carga foi se acumulando com o correr dos anos e, hoje pela manhã, tive a grata surpresa de me encontrar justamente com aquilo que mais temia: a pele que, também, ainda que evitasse, deixei pelo caminho.

.Foi um grande susto parar em frente à vitrine e, em lugar das tendências da moda, enxergar algo que nunca antes havia visto. Foi o cartaz quem me chamou para dentro: uma menina de maria-chiquinhas, urso de pelúcia numa das mãos, fazendo pose para mostrar a botinha preta.

.Difícil explicar o que senti, mas era uma menina de maria-chiquinhas!, como um dia fui, como um dia, talvez, seja minha filha. Nem bonita era, mas me levou a um tempo que andava meio esquecido, o tempo do sorvete de groselha...

.Olhando para a menina e suas maria-chiquinhas, projetei-me nela e tentei imaginar o que pensa. Não pude. Pensando no que ela pensa, terminei mulher e não menina. Fui incapaz de analisá-la e construí sofismas tão variados enquanto a vitrine crescia sobre meus olhos. Era como se a garotinha do cartaz criasse vida e me convidasse para um sorvete de groselha...

.Quando eu tinha a idade dela, uns cinco ou seis anos, não mais, ficava atarantada ao ouvir a buzina do sorveteiro há quilômetros de distância. Hoje o que me distancia é o tempo e, ao contrário do meu tempo de menina, às vezes peço que o sorveteiro nunca chegue. Nem saio mais correndo e gritando pela casa a fora:

.__ Manhêêêê, posso comprar um sorvete de groselha?

.Às vezes ela deixava, noutras eu ainda levava bronca porque estava resfriada. Em dias assim, só me restava sonhar com o delicioso picolé de gelo e "Q-suco". O tal do "Q-suco" dava uma enorme dor de barriga, mas nem por isso eu desistia, ainda mais porque se tratava de um sorvete de groselha!

.Mas acho que a menina do cartaz nunca experimentou um. Os tempos são outros e acaricio minha pele de cobra, meu único tesouro até há pouco jogado num caminho frio e noturno.

.Queria pintar um sol do amarelo de Van Gogh para mostrar a ela o quanto o mundo pode ser bonito. Tão criança e ainda nem aprendeu o que é groselha... deve até perguntar à mãe: "é de vestir?"

.Pobre menina a das maria-chiquinhas que, no futuro, procurará o passado e nenhuma pele encontrará, perdida num presente amnésico. Pena que não saiba o quanto está perdendo...

.É, as coisas estão mesmo diferentes...

.Vim para casa pensando: nem sorvetes de groselha existem mais...

..
Érica Antunes
erica.antunes@gmail.com

1 Comments:

  • At 10:47 AM, Blogger Vicios da Zone said…

    Poxa! fiquei emocionada quando
    li *-*
    Tenho 17 anos e as vezes páro
    e fico pensando que as vezes tenho muita pressa de crescer, e vejo q o tempo passa rápido demais :/, ai percebo que se eu não prestar atenção, deixo de aproveitar os momentos bons da minha vida, q sei q não vão voltar.
    Hoje vejo meninas com 11,12 anos q pararam de brincar a muito tempo! E ja pensam em namorar e sair, acho isso um pouco estranho! Na idade delas eu ainda subia nas goiaberas, brincava de barbie e chupava picolé! Mas elas não têm culpa, pois são influenciadas pelo mundo q as rodeia, muita informação, muitas coisas novas! Mas realmente acho q as novas gerações não sabem o q estão perdendo.

     

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