No fundo, uma queria se ver personagem da outra. Eram duas pombas soltas na praça, rodeando o primeiro aposentado para ganhar um pouco da quirera por ele guardada, caprichosamente, no bolso.Uma escrevia. A outra, que lia, projetava-se na história.
Caminhavam juntas, de mãos dadas, pela estrada sem fim que levava a algum lugar que suspeitavam lugar nenhum. Estranhamente, não desistiam.
No meio do caminho, encontravam pedras. E Drummond sorria o mais terno sorriso de quem sabe bem o que se passa. Elas não. Não sabiam ou temiam que a verdade ofuscasse os verdes passos da madrugada.
Mal rompia a aurora, estavam as duas mendigando a quirera. O velho da praça, acostumado, tirava do bolso o milho e saciava a fome das duas.
Assim foi durante muito tempo.
Como, porém, tudo caminha para um fim, houve o dia em que o velho não mais apareceu. Ficaram, as duas, sedentas, esperando pela cota diária da ração. Nada.
Emagreceram. Minguaram. Sofreram. Apegaram-se mais.
Uma voltou a escrever. A outra, a ler. Mas ambas, num desatino quase perfeito, personificaram-se. Uma se tornou outra. A outra se tornou uma.
Olhavam-se no espelho e viam mais que de si mesmas.
Uniram-se. Ataram-se. Colaram-se. Exigiram-se. Quiseram-se.
O tempo passou e o velho da quirera ficou perdido numa história que só teve a graça de dar início a uma outra, para elas, muito mais bonita.
Bastaram-se.
Esqueceram-se do mundo.
Até que, um dia, as duas pombas morreram de fome.
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Érica Antunes
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