Kianda

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Verdades e mentiras

A única mania dela que realmente o incomodava era a de triturar macarrão cru. Os estalos da mastigação começavam altos e, aos poucos, tornavam-se menores, mas ainda mais constantes. Claro que a importância do deslize era mínima, disso tinha consciência. Mesmo assim, sentia-se, de certa forma, agredido.
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Foi por isso que resolveu deixar de lado o tradicional espaguete com muito molho vermelho do domingo. Nas compras no supermercado, pretextava economia, o salário andava pouco até para o básico, o melhor era boicotarem alguns itens. O macarrão foi o primeiro a ser cortado.
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Filomena protestou. O macarrão? Logo o macarrão, que nem era lá tão caro, tanto sustentava e, ainda por cima, era prato único?! Sim senhora, o macarrão. E desenrolou mil argumentos para convencê-la: a escassa demanda de trigo no mercado que provocava o aumento do preço do produto final, a barriguinha que andava criando graças ao prato domingueiro e, sobretudo, os bons reais que economizariam.
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Ela fez uma cara feia, mas aceitou. Era daquelas que, fosse o que fosse, abaixavam a cabeça. Padilha, vencedor, agigantou-se. Ocultar a verdade nem sempre é mentir, a causa era boa, valia a reputação de Filomena. Além disso, ela seria recompensada na cama, que o som do macarrão quebradinho entre os dentes deixando de atormentá-lo na plena hora mudaria tudo. Fariam horrores, os dois. Filomena tinha as carnes rijas e gordas, uns grandes olhos negros e peitões de bicos sempre espetados. E sem surgir associada ao barulhinho dos fios na boca era ainda mais gostosa. Um tesão!
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Padilha quis beijá-la. Ela virou o rosto, recatada. Não ali, no meio do supermercado...
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Quando fecharam a porta da sala, o marido se jogou para cima dela que, com uma flor entre os lábios, desabotoou-lhe a camisa e massageou-lhe o peito: Oh, peixinho dourado, que tal se tomasse um banhozinho enquanto ela cuidava dos preparativos?
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Filomena pronunciara a senha. "Peixinho dourado" levava Padilha às alturas. Excitado, apanhou a toalha correndo e logo abriu o chuveiro. Mil e uma fantasias desabrocharam num segundo... Que boa tinha sido a idéia de cortar o macarrão!... e como ela era boa em mostrar prazer... também ele não deixava a desejar, desde que os tais barulhinhos de macarrão mastigado não fossem ouvidos. Riu-se. Definitivamente, o único fetiche que não tinha era esse.
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Terminou o banho, secou-se com a toalha felpuda e fez uma careta na frente do espelho: era o bom! Passou um pouquinho de água-de-colônia no pescoço, bem pouquinho, que não queria tirar aquele seu cheiro natural de macho. Correu para a cama.
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Encontrou Filomena de calcinha, a bunda para cima, os peitões sinalizando passagem livre. Não pensou sequer um segundo para cobri-la.
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Ela gozou, ele tinha certeza...
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Depois que Padilha dormiu, a mulher, num gesto minúsculo, tirou o fio do macarrão de debaixo do travesseiro e enfiou-o na boca, inteirinho.
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Érica Antunes
erica.antunes@gmail.com

1 Comments:

  • At 11:50 PM, Blogger Rosely Zenker said…

    Muito bem. Gostei. não imaginava que ela guardaria macarrão escondido que nem bombons.
    bjs
    :-)

     

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